Epistemologia e o Método Científico


O que é conhecimento? Como ele pode ser adquirido? Como o conhecimento pode ser avaliado? Conhecimento pode ser parcial e incerto, ou apenas absoluto e certo? Qual a diferença entre conhecimento, certeza e crença? Conhecimento precisa ser racional e justificado, ou pode ser intuitivo? Todas essas e muitas outras questões sobre o conhecimento são avaliadas por um campo da filosofia chamado epistemologia, que fornece os pilares fundamentais para a justificativa, avaliação e construção do conhecimento científico. Da mesma maneira, o embasamento epistêmico é fundamental para justificar qualquer que seja a estratégia de análise estatística utilizada na análise de dados empíricos com objetivos de identificação padrões e relações entre fenômenos naturais. Nessa aula nós vamos discutir os fundamentos filosóficos das estratégias de análise estatística, e como elas estão embasadas das diferentes filosofias da ciência. Aqui nós daremos os primeiros passos para contextualização epistemológica da inferência Bayesiana.
Aula versão 24/08/2020

Lógica e Epistemologia: Dedução vs Indução

Epistemologia é o ramo da filosofia que trata da aquisição e avaliação do conhecimento. Lógica é uma área do conhecimento dedicada a avaliação de argumentos, a partir da qual se constroem as regras de inferência. Existem duas formas principais de inferência racional (raciocínio lógico): dedução e indução. Enquanto na dedução se parte de uma ou mais afirmações tidas ou aceitas como verdadeiras (premissas) para se chegar a uma conclusão verdadeira (lógica), na indução se parte de premissas com algum grau de evidência, suporte ou plausibilidade para se chegar em uma conclusão que não garante nenhuma certeza. A partir desta descrição simples poderíamos concluir ingenuamente que toda ciência é construída sobre deduções. Entretanto, o raciocínio dedutivo precisa partir de teorias (ou premissas) pré-existentes, e não da observação natural. Além disso, o raciocínio dedutivo só pode apenas ser aplicado para casos específicos, em condições muito limitadas, o que restringe sua aplicação na construção de generalizações sobre o funcionamento da natureza. Ao contrário, a o raciocínio indutivo permite a generalização e extrapolação das observações para além da informação disponível, porém é dependente da quantidade e qualidade da evidência disponível, podendo gerar conclusões falhas.


David Hume e o Problema da Indução

O aprendizado através da experiência, ou da observação empírica é necessariamente indutivo, uma vez que requer a coleta da informação antes do desenvolvimento da teoria. Entretanto, Hume mostra toda indução não garante nenhuma certeza epistêmica, uma vez que (1) toda a informação adquirida através da experiência é parcial e limitada, (2) e toda generalização de regras ou padrões assume que as condições que foram observadas permanecerão constantes (uniformidade da natureza). Em outras palavras, ainda que o sol tenha nascido no leste durante toda a existência humana, esse passado não fornece nenhuma certeza epistência que a natureza permanecerá constante. Ou seja, não é possível haver certeza a partir de generalizações ou extrapolações. O "Problema da Indução de Hume" permanece desafiando filósofos e cientistas até hoje, e toda estratégia de análise científica precisa tentar ligar com o problema ou pelo menos reconhecer as limitações de inferências indutivas.


Estratégias Inferenciais: Metodologia Científica

Karl Popper resolveu atacar de frente o Problema da Indução colocado por Hume ao propor o "Método Hipotético-Dedutivo" e criar toda uma filosofia da ciência em torno dele. Segundo Popper, já que o raciocínio indutivo é problemático, jamais poderíamos utilizar evidências empíricas para dar suporte ou confirmar hipóteses ou afirmações científicas, pois sempre haverá a possibilidade de evidências contrárias emergirem. Ou seja, Popper reconhece o Problema da Indução e descerta permanentemente qualquer tentativa de confirmar hipóteses científicas a partir de dados empíricos. Porém, desde que uma teoria ou hipótese seja capaz de fornecer uma predição (expectativa verificável) a negação ou falseamento desta hipótese pode ser feita de maneira dedutiva, pois bastará uma evidência empírica contrária à predição da hipótese para que ela possa ser descartada. Entretanto, a maior parte dos cientistas, apesar de reconhecer o valor filosófico do método hipotético-dedutivo de Popper, não é capaz de descartar permanentemente uma teoria ou hipótese sem que uma melhor seja criada para substituir o lugar da anterior. Então, para Lakatos ainda que o método hipotético-dedutivo tenha o seu valor ele não é aplicável no dia-a-dia. Ao contrário, cientistas estão sempre buscando encontrar a melhor explicação possível para um conjunto de fenômenos, empregando critérios heurísticos para inferir a melhor explicação possível diante das evidências empíricas disponíveis. Assim, para Lakatos não haveria como escapar do raciocínio indutivo durante a avaliação de hipóteses, ainda que o Problema da Indução não possa ser resolvido e que não haja qualquer garantia de certeza em ciência. Por fim, alguns outros filósofos, mesmo reconhecendo o Problema da Indução como insolúvel, resolvem adotar e sistematizar o aprendizado indutivo. Para isso desenvolvem um conjunto de técnicas matemáticas e estatísticas capazes de medir o "grau de confirmação", ou "grau de credibilidade" que a evidência oferece para uma determinada hipótese. Uma vez que essa estratégia é estabelecidade como epistemologicamente válida abre-se as portas para a sistematização do aprendizado lógico-indutivo, ou seja, a inferência Bayesiana.


Recursos


Ementa, Programa e Literatura
Neste documento você encontrará a ementa, o programa, a literatura básica e complementar a disciplina "Introdução à Inferência Bayesiana" ministrada por mim no Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Evolução, da Universidade Federal de Goiás. A extensa literatura está comentada, com descrição detalhada do conteúdo de cada livro. O objetivo desta descrição detalhada é facilitar a busca do estudante pelo livro que mais contribuirá com suas necessidades teóricas ou metodológicas.