Experimentação Científica:
em busca de uma resposta direta para uma pergunta complexa


A natureza não entrega seus segredos espontaneamente. A maior parte dos fenômenos naturais são influenciados por múltiplos fatores, o que dificulta a nossa percepção de padrões e identificação de relações causais. Ao longo desse curso temos usado a estatura de humanos como exemplo de um fenômeno complexo, mas praticamente todos os fenômenos biológicos são ainda mais complexos. Por exemplo, por que algumas pessoas vivem mais do que outras? Por que algumas espécies são mais afetadas pelas alterações do ambiente? O que aconteceria se uma certa espécie fosse extinta? Fenômenos muito complexos geram padrões muito sutis, dificultando nossa capacidade de percepção de regularidades e compreensão das relações causais. Quando a natureza se recusa a confessar seus segredos nós precisaremos interroga-la, e para isso usaremos a mais poderosa ferramenta da pesquisa científica: experimentação!
Aula versão 02/05/2018

Observação Passiva versus Experimentação Ativa


A identificação de padrões (regularidades) é a chave para a compreensão dos fenômenos naturais. Muitas vezes esses padrões são facilmente perceptíveis: dia e noite, estações do ano, ciclo das marés. Nesses casos uma observação cuidadosa já é suficiente para identificar as regularidades e oferecer possíveis explicações. Entretanto, quando múltiplos fatores influenciam simultaneamente um fenômeno o resultado é um padrão muito mais sutil e complexo, fazendo com que a observação passiva seja insuficiente para que possamos discernir influência individual de cada fator. Se a natureza não “confessa” espontaneamente as causas do fenômeno, então precisamos “tortura-la” para obter as respostas que buscamos. Assim, a pesquisa precisará apelar para um experimento, que consiste em manter sob controle experimental (artificialmente constante) o maior número de fatores possível, enquanto alteramos ativamente (experimentalmente) apenas alguns pouco fatores de cada vez. A ciência moderna nasceu desta simples ideia, que foi primeiro colocada em prática pelo cientista Galileo Galilei em seus estudos de mecânica, e defendida conceitualmente pelo filósofo iluminista por Francis Bacon.


Controle Experimental


Albert Einstein uma vez disse que “insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”, mas também poderia ter dito que deveríamos esperar resultados idênticos se fizermos sempre do mesmo jeito. De fato, é bastante lógico (indutivo) assumir que, se todos os fatores causais forem mantidos constantes (idênticos), então não haveria qualquer variabilidade no resultado (fenômeno), já que as mesmas causas sempre levam ao mesmo efeito. Ao contrário, se existe alguma variabilidade em um fenômeno natural, então podemos concluir que houve variação em pelo menos um dos fatores que afeta o fenômeno. Entretanto, como os sistemas naturais são extremamente diversos, por serem influenciados por muitos fatores causais, não é fácil indicar qual é a causa da variabilidade que vemos no fenômeno natural. O controle experimental é a tentativa de diminuir artificialmente, ao máximo possível, todas as fontes de variabilidade nos fatores que possam influenciar o fenômeno estudado. Sempre que possível os cientistas tentam simplificar a natureza dentro de um laboratório, onde as condições são artificialmente controladas. Por exemplo, no laboratório é possível cultivar colônias de bactérias em condição ambiental muito mais homogênea do que na natureza. Entretanto, naquelas condições onde não é possível garantir o controle experimental artificialmente, cientistas precisam buscar pelas raras homogeneidades que a natureza oferece, como, por exemplo, os gêmeos univitelinos ou clones. Se pudermos garantir que os fatores estão suficientemente controlados (mantidos constantes), poderemos variar artificialmente cada um deles, e verificar no fenômeno o resultado isolado desta variação. Veja nesse programa a facilidade que o controle experimental oferece quando estamos tentando entender sistemas complexos.


Tratamento Experimental


Se formos capazes de controlar as fontes de variação que confundem nossa percepção dos padrões, então poderemos manipular artificialmente alguns fatores, na tentativa de identificar a influência isolada deles sobre o fenômeno. Por exemplo, podemos aplicar uma droga experimental com diferentes concentrações em cobaias com a mesma doença induzida, na tentativa de identificar o efeito da concentração da droga na cura da doença. Para deixar ainda mais evidente o efeito isolado do tratamento experimental, também podemos manter parte das cobaias nas mesmas condições controladas, porém sem a aplicação do tratamento experimental (grupo controle ou testemunho). Entretanto, quando suspeitarmos que um mesmo fenômeno é influenciado pela interação de múltiplos fatores simultaneamente, então precisaremos avaliar a interação entre os fatores ao manipula-los simultaneamente dentro do mesmo experimento. Veja nesse programa o tratamento (manipulação) experimental facilita a compreensão de sistemas complexos que estão sob controle experimental.


Lidando com Incertezas


Por mais que nos esforcemos é impossível garantir um controle experimental completo. Seja porque as condições experimentais não são plenamente homogêneas (não existem cobaias idênticas), ou porque o tratamento não foi exatamente o mesmo (erro na preparação da droga), sempre haverá alguma variabilidade nos resultados, gerando incerteza nas conclusões. Para diminuir a incerteza das conclusões causadas por fontes de variação não-controladas, o experimento precisará ser realizado múltiplas vezes simultaneamente (réplicas). Por exemplo, será preciso aplicar o mesmo tratamento em muitas unidades experimentais (cobaias), já que não é possível garantir que essas unidades experimentais são absolutamente idênticas entre si. Assim, saberemos que qualquer variação entre unidades experimentais que passaram pelo mesmo tratamento experimental é oriunda de fatores desconhecidos (erro experimental), e não devido ao tratamento. Pelo mesmo motivo, é preciso também garantir que a distribuição das unidades experimentais entre os diferentes tratamentos ocorra de maneira aleatória (casualização), na tentativa de distribuir a potencial variabilidade entre elas de maneira homogênea em todos os tipos de tratamento. Entretanto, se houver alguma suspeita ou conhecimento sobre fontes de variação nas unidades experimentais (cobaias), então podemos agrupa-las em blocos, e analisar se essa suposta fonte de variação afeta o resultado do experimento. Por fim, para garantir que o resultado do experimento não seja inconscientemente afetado pelos pesquisadores, é importante que aquele pesquisador que esteja aplicando o tratamento não saiba qual das condições experimentais está sendo manipulada.


Recursos


Programa 1: Controle Experimental
Nesse programa eu demonstro as vantagens do controle experimental para determinar relações causais. O tamanho dos círculos é definido por até três fatores, mas você não sabe qual é o papel individual de cada um deles sobre cada tipo de círculo (cor). Seu objetivo é manipular os fatores (barras cinza abaixo) enquanto observa o que acontece com os circulos. Para diminuir a amplitude dos fatores você pode arrastar os extremos da barra, e para movimentar os fatores você pode arrastar o centro da barra. O fator 1 afeta os círculos azuis, vermelhos ou verdes? E os fatores 2 ou 3? Qual o fator mais importante na determinação da área dos círculos? Como você chegou a sua conclusão?